Contrato de Namoro e a Governança da Empresa Familiar
- Maria Clara Zochio
- 13 de dez. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 15 de mai. de 2023
Direito familiar, direito empresarial e assuntos do coração podem dar dor de cabeça, mas juntos é fato que irão. A saída? Colocar, o máximo possível, os pingos nos "is".
Um dado importante é ser considerado para o desenvolvimento do assunto de hoje é que 90% das empresas brasileiras são empresas familiares. E a principal diferença entre as demais empresas e as empresas familiares, é que as últimas tomam suas decisões baseadas no sentimento e pessoalidade, e apesar de não ser o ideal, essa característica deve ser levada em conta e respeitada por aqueles que as assessoram.
E é por esta razão que a governança familiar é muito bem vinda. A partir dela estratégias e decisões "menos" emocionais são articuladas e, consequentemente conferirá longevidade à empresa. Inclusive este assunto já foi tema aqui no site e vale a pena a leitura (artigos disponibilizados ao final).
Com a mudança repentina do cenário econômico em virtude da pandemia, houve um crescimento pela busca nas questões sucessórias e patrimoniais. Assunto considerado bastante distante para muita gente tornou-se dura realidade.
E contrato de namoro também passou as ser procurado por muitos casais que decidiram morar juntos mas sem a intenção de que a relação evoluísse para uma possível união estável.
Temendo as consequências da união estável, que está disciplinada em nosso código civil, considerada entidade familiar que confere direito à herança, pensão e partilha de bens, a alternativa foi redigir um contrato de namoro.
Art. 1.723. Código Civil. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
As implicações para a empresa familiar, no entanto, é justamente o risco da entrada de terceiros na sociedade e até mesmo a lapidação do patrimônio empresarial familiar, caso configure-se união estável daquilo que era apenas um namoro.
Para que a empresa familiar esteja protegida, muitas vezes as medidas tomadas envolvem aqueles que nem mesmo são sócios, mas ainda assim são atingidos pela governança familiar. E a regulação dos relacionamentos afetivos é um exemplo.
A princípio este instrumento contratual pode parecer rígido demais, contudo seu uso pode evitar consequências advindas de atitudes de má-fé de uma das partes do relacionamento que mesmo ciente que estava diante de um namoro, pretende receber vantagem econômica ao buscar o reconhecimento da união estável.
E uma dessas consequências, por exemplo, é o ingresso na sociedade como herdeiro, em caso de morte do companheiro, ora namorado.
Discussões como estas já chegaram ao judiciário, e ainda que os doutrinadores estejam divididos a respeito da validade jurídica do contrato de namoro, sendo a sua maioria contra, este vem sendo usado e aceito como prova negativa da união estável:
EMENTA: Apelação. Família. Ação de divórcio litigioso, alimentos e partilha de bens. Sentença que decreta o divórcio e partilha, na proporção de 50% para cada um, os valores pagos pelo imóvel durante o casamento. Recurso de ambas as partes. Partes que firmaram contrato de namoro, que exclui a existência de união estável anterior ao casamento. Contrato firmado que não constitui pacto antenupcial. Obrigações lá assumidas que não podem ser discutidas na ação de divórcio. Bens adquiridos antes do casamento que não devem ser partilhados. Prestações do imóvel de propriedade exclusiva do réu pagas durante o casamento que devem ser partilhadas na proporção de 50% para cada um. Alimentos que não são devidos à autora. Requerente pessoa jovem e apta a trabalhar, ainda que momentaneamente desempregada. Sentença mantida. RECURSOS DESPROVIDOS – TJSP- APELAÇÃO Nº 1007161-38.2019.8.26.0597.
APELAÇÃO. Ação de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com partilha de bens. Sentença que julgou improcedente a ação. Inconformismo da parte autora. Não preenchidos os elementos essenciais caracterizadores da união estável previstos na lei. Contrato de namoro firmado pelas partes. Caracterizado simples namoro, sem intenção de formação de núcleo familiar. Sentença mantida. Recurso desprovido. TJ-SP — Apelação Cível AC 10008846520168260288 SP 1000884-65.2016.8.26.0288 (TJ SP)
Apesar das divergências sobre a validade jurídica, é importante ressaltar que não há qualquer dispositivo legal que impeça o contrato de namoro, entretanto, assim como os demais contratos, ele deve, seguir os requisitos para ser considerado válido.
O que se discute principalmente é sobre a possibilidade de fraudar o instituto da união estável. Ou seja, o contrato de namoro dizer coisa diversa daquilo que é vivenciado de fato pelo casal, para que se afaste os deveres (e direitos) presentes na união estável, propositalmente.
Assim, como todo é qualquer contrato, o contrato de namoro deve ser feito observando o princípio da boa-fé contratual e corresponder com a verdade: o casal não tem objetivo de constituir família.
E claro, como contratualista que sou, fui um pouco além e já pensei aqui em possíveis cláusulas. Que tal um contrato de namoro com prazo determinado? E uma cláusula evolutiva da relação, condicionada a evento futuro e incerto?
Com ou sem imaginação, o contrato de namoro é uma realidade.
Por isso, os mesmos cuidados que temos com os contratos mais comuns, temos que ter com o contrato de namoro sob pena de ser considerado nulo.
Com certeza estamos diante de um instrumento de governança familiar que provavelmente causará estranheza em um primeiro momento, mas que é eficaz e acima de tudo, lícito.
Ficou interessado nas possibilidades de proteger sua empresa? Entre em contato, vamos conversar.
Se quiser se aprofundar no tema:
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